Da dupla poda ao terroir: como o Cerrado Mineiro ganha espaço no mercado dos vinhos de qualidade
No coração do Cerrado Mineiro, um novo capítulo da vitivinicultura brasileira vem sendo escrito de forma gradativa, mas com perspectiva de avanços nos próximos anos. Com clima singular, altitudes elevadas e tecnologia de ponta, a região se consolida aos poucos como referência na produção de vinhos de qualidade, conquistando espaço entre os admiradores e despertando o interesse de enólogos, pesquisadores e consumidores. O trabalho desenvolvido por produtores locais alia inovação e tradição, transformando o território em um dos mais promissores para a vitivinicultura no Brasil.
A maior parte dos produtores está nas cidades de Sacramento, Patos de Minas, Patrocínio e Serra do Salitre. Uma das atuações mais marcantes do Sebrae Minas aconteceu na formalização da Associação dos Produtores de Vitivinicultura do Cerrado Mineiro (Avincer), constituída em julho de 2025. Entre as iniciativas previstas, estão o fortalecimento do turismo de experiência, a criação de uma cesta integrada com produtos típicos da região — como cafés, queijo e vinhos — e a abertura de novos caminhos para o mercado nacional e internacional.
Em conjunto com outros parceiros institucionais, o Sebrae Minas atuou na formação da governança, na gestão e no fortalecimento dos produtores locais, com o objetivo de o produto ganhar mais visibilidade e acesso a novos mercados. A Região do Cerrado Mineiro é tradicionalmente conhecida desde a década de 1970 como uma das maiores produtoras de cafés especiais do mundo. O clima local e os investimentos em tecnologia foram favoráveis também ao cultivo de uvas de diferentes espécies.
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Um dos projetos mais audaciosos do Cerrado Mineiro é a Vinícola Arpuro, localizada em Uberaba. O plantio de uvas começou graças ao sonho do casal Valério e Ana Maria Barega de apostar em uma produção própria na fazenda da família de mais de 700 hectares. Em seguida, os filhos Cristiane, Valério Junior, Paulo e Alessandra deixaram de lado seus trabalhos para estarem à frente do negócio, que começou com o plantio de 2,5 hectares de uvas Sauvignon Blanc, Syrah, Marsanne e Marselan. Posteriormente, os produtores ampliaram a área para 15 hectares, com uvas Viognier, Cabernet Franc e Merlot.
Um dos diferenciais da Arpuro tem sido o uso de estação meteorológica conectada à internet, drones, trator autônomo e irrigação por gotejamento inteligente. A família também investiu em maquinário gigante para processar as uvas. “Começamos a nos interessar pela produção de vinhos durante a pandemia. Queríamos entender as razões de haver essa amplitude térmica, com dias muito quentes e noites mais frias. Logo, nossos vinhos têm uma linha mais leve para serem degustados no dia a dia no calor do Cerrado, obedecendo ao nosso terroir”, afirma Cristiane.
Em Patrocínio, uma chácara de quatro décadas de existência proporciona uma experiência enriquecedora para os amantes de vinho. A visita ao Vinhedo Recanto, localizado a 970 metros de altitude, alia degustação de cafés especiais e vinhos ao som de músicas entoadas por uma dupla de instrumentistas, admiradores do gênero sertanejo. O projeto de cultivo começou em 2023 com 1 hectare de uvas Cabernet Sauvignon e Syrah. Ao todo, são 4 mil plantas de produção e três colheitas desde o início do negócio.
“Em 2019, tive o primeiro contato com a produção de uvas na cidade de Cruzeiro da Fortaleza, cidade que fica ao nosso lado. Isso despertou nosso interesse. Temos terras férteis em Patrocínio que possibilitaram o plantio de cafés e vinhos. Utilizamos praticamente os mesmos equipamentos: trator, adubador, pulverizador… Até a mão-de-obra é a mesma”, conta o produtor Fred Elias, que administra o negócio ao lado dos irmãos Nícolas, Hilda e Grace. O espaço é acolhedor desde o início do passeio. “Queremos oferecer o que há de melhor em nossa terra, desde os cafés até as broas de queijo e biscoitos”, conta.
Precursor da vitivinicultura
Pode-se dizer que um dos precursores da produção de vinhos no Cerrado Mineiro é o engenheiro agrônomo Flávio Bambini, que está à frente da Vinícola Bambini. Em meados de 2015, o produtor iniciou as primeiras ações para valorizar o terroir da região e exercer a nova atividade. De família originalmente da Toscana, região da Itália, ele já produziu o primeiro vinho de inverno em 2017 – foram quatro rótulos lançados desde então.
Bambini ajudou a trazer para o Cerrado Mineiro a técnica da dupla poda, instituída pelo pesquisador de agronomia da Epamig Murillo Regina. Fundamental para a vitivinicultura, o manejo tem o objetivo de desviar o ciclo de amadurecimento e de colheita da uva, tirando ele do verão para ser feito no inverno (por isso, deve ser feita duas podas por ano na videira). A nova técnica mudou o patamar da colheita. “A estratégia da uva varia de acordo com a demanda do produtor. Vencer desafios é o mais prazeroso. Percebemos que esse tipo de negócio é uma oportunidade ímpar para os vitivinicultores”, conta Flávio, que também é presidente da Associação dos Produtores da Vitivinicultura do Cerrado (Avincer), constituída em julho de 2025.
Outra vinícola, a Alma Rios se beneficiou do clima ideal da região para a produção de vinhos, que rapidamente se tornaram premiados. O Sauvignon Blanc foi considerado o melhor do Brasil em 2024 na 14ª edição do Guia Adega Brasil, alcançando 92 pontos no guia, enquanto o Syrah Tinto e o Syrah Rosé também foram bem avaliados, com 91 e 90 pontos, respectivamente.
Os proprietários Maurício e Cristiane Rios foram pioneiros em apostar na técnica de dupla poda, considerada um marco para o desenvolvimento da atividade na região. A vinícola conta com a assessoria técnica do renomado agrônomo Frederico Novelli, que tem pós-graduação em viticultura e enologia na França, além de vasta experiência em diversas vinícolas internacionais. “O vinho não é só um produto, pois ele envolve história, tradição e qualidade. Em nossas viagens, descobrimos que nosso clima se assemelhava ao das regiões produtoras da Europa. Logo, decidimos investir em nossos próprios produtos”, afirma Maurício Rios, que também exerce a carreira de médico em Patos de Minas.
Cristiane cita como fundamental o amor dos proprietários pelo cultivo das uvas. “Nossa primeira safra saiu em 2023, mas começamos o plantio de uvas desde 2021. Além do nosso terroir e dedicação, temos como principal diferencial o carinho com os turistas que vem ao nosso território”, afirma.
Localizada entre Patos de Minas e Varjão de Minas, a Casa Bruxel alia tradição cafeeira ao cultivo de uvas finas, com rótulos que já conquistam espaço no mercado nacional. O destaque vai para o Sauvignon Blanc 2023, de aromas tropicais e acidez vibrante, avaliado como um dos exemplares promissores da nova safra mineira. A experiência inclui degustação de vários tipos de cafés especiais, queijos da região e visita aos vinhedos.
O agrônomo Décio Bruxel é o patriarca do grupo, com trajetória marcada pelo pioneirismo no agro mineiro — especialmente na suinocultura e na agricultura familiar. Em seguida, os filhos Daniel e Marcos são os representantes da nova geração que chega para dar continuidade ao legado. “A Casa Bruxel nasceu de um sonho ousado da família em produzir seu próprio vinho”, afirma supervisora de vendas da vinícola, Aline Duarte. Em 2020, a produção foi de 3 mil garrafas, mas atualmente a capacidade chega a superar 30 mil anuais. A Casa Bruxels faz parte da Rota do Café do Cerrado Mineiro, iniciativa para impulsionar turismo local vinculado ao potencial na produção de cafés especiais.
A cidade de Serra do Salitre também já dá os primeiros passos na fabricação de vinhos de qualidade. O Vinhedo Bambini começou a ganhar forma em 2018, com o lançamento de rótulos reconhecidos no mercado, como o Sauvignon Blanc e o Syrah. Mas a origem da família na agropecuária é da década de 1930, com o início da produção de batatas e alho. Ao longo dos anos, a fazenda também iniciou a colheita de cafés especiais e, por fim, deu ênfase aos vinhos.
“Ao longo dos anos, o Cerrado teve uma realidade muito diferente, com dificuldades, poucas opções de trabalho, produção de leite em pequena escala. Mas meu avô acreditou em um projeto e foi o primeiro a apostar na plantação de batatas. Hoje, diversificamos esse mix de produtos e estamos focados em soja, cereais, cafés e uvas”, conta Daniel Ballerini, administrador do vinhedo, filho do idealizador Marcelo Balerini. Até hoje, o vinhedo lançou quatro rótulos. “Estamos aprendendo agora a cultura dos vinhos. Temos a alegria de trazer um produto novo para a região”, complementa Daniel.
Leilão beneficente
Por sua vez, o Vinhedo Bruma Alta, idealizado pelo casal Iêda Paiva e Roni Leme, teve início em 2022, na Serra do Salitre. A 916 metros de altitude, eles começaram o plantio de uvas Cabernet Sauvignon, Marselan e Malbec. Em 2023, adicionaram Sauvignon Blanc ao cultivo.
As primeiras garrafas foram doadas para um leilão beneficente para o Hospital do Câncer de Patrocínio. Foram arrecadados cerca de R$ 200 mil. Entre os destaques, o ponto alto foi o leilão de uma garrafa da primeira safra do vinhedo, arrematada por R$ 50 mil por Pineca Messias, especialista em vinhos do Mato Grosso do Sul. O casal tem o objetivo de expandir a produção. No ano passado, o projeto ganhou um novo capítulo com a implantação de vinhedos na Fazenda Mata, em Patrocínio.
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